quarta-feira, 4 de março de 2015

Crítica.

-Ah, qual é! Eu já me preocupo com meus problemas!
Ela falou suspirando e se deixando desabar no sofá. Eram oito horas da manhã e ela havia tido uma noite de estréia cansativa. Seu joelho pedia clemência e ela desconfiava que havia deslocado o ombro durante uma cena.
-O que eu faço com você? Honestamente acho que você tinha que fazer alguma coisa!
Como ela não respondia, ele foi até a mesa de centro pegou uma revista e a remexeu freneticamente. Por fim ela falou:
-Tenho outras coisas a me preocupar sem serem criticas, querido...
-Sei, sei sempre isso!
-Eu leio e retiro o que é certo, o que presta e jogo fora o resto.
-Como você sabe o que é o “certo”?
-Eu sei o que é certo para mim. Em quesito de críticas acredito que nenhuma que  não seja muito bem explicada mereça minha atenção. A questão é :o que você faz quando dizem que você não tem nenhuma qualidade?
-Escuto, principalmente se estiverem falando de mim.
-Não! O certo é deixar a pessoa falando sozinha e a esquecer.
-Porque?
-Porque o certo seria a pessoa dizer quais são as qualidades que você não tem, dizer a palavra “todas” e “nenhuma” é generalizar muito, me parece preguiça de enumerar ou apenas falta de argumento melhor, além do mais, todo mundo tem uma qualidade. Até mesmo você!
A contragosto ele sorriu um pouco, porém na hora de falar voltou a ficar sério:
-Engraçadinha.
-Essa critica não foi boa, foi estúpida. Disseram que o espetáculo não teve nada de bom, foi mentira.
-Além de você, estrelinha, o que teve de bom?
-Eu? Eu estava horrível! Mas os figurinos estavam lindos, a trilha sonora, a Amanda!
-Não exagere. Os figurinos estavam bons, realmente. Mas o Castro vê é interpretação, e isso  não tinha! A Amanda não é boa suficiente para ele.
Ela se levantou acendeu um cigarro, olhou para ele fixamente, ele era o desespero puro. Riu por dentro e ficou em uma briga interna, um lado seu queria dizer algumas coisas e continuar a conversa, outro lado queria apenas fumar e relaxar um pouco. Por fim se decidiu a falar:
-Sabe o problema?
-Diga!
-Bom, ruim, errado, certo e qualidade acabam sendo só pontos de vista.
Ele sorriu, por fim parecia que tinha entendido, sua face se iluminou. Ele a olhou e saiu batendo a porta. Ela sabia que não seria o suficiente, tudo bem, pensou.
Com toda certeza ele iria falar com todos do elenco e da parte técnica para saber se compartilhavam da mesma opinião, e, caso não partilhassem, ele iria ficar triste e bravo por uns dias e então iria esquecer. Até chegar a próxima crítica.