sexta-feira, 12 de junho de 2020

A maldição


Vou contar a vocês uma história sobre o cuidado que devemos ter ao pedir algo divino, algumas pessoas dirão que é sobre o amor, eu acho que é sobre o ego. Podem chamar de conto, mitologia ou mentira, mas quem me contou jurou que era verdade. Eu acho que essa história é de fato uma forma figurativa de ensinar algo que não pode ser ensinado.
Existia, em uma vila da Itália, uma jovem, muito simpática e inteligente, porém não muito bonita, seu nome era Tana. Apesar de todas essas qualidades, a jovem ainda não era feliz pois acreditava que ser simpática e inteligente não bastava, não importava o tanto que as pessoas em volta dela dissessem, não importava o tanto que a elogiassem, ainda era insuficiente aos olhos dela suas qualidades . Ela queria ser bonita, sensual, mas a natureza não parecia querer isso. Ela não conseguia ver o que os outros viam nela e isso a deixava muito triste. Seu desejo era ser a mulher mais perfeita, da vila e, quem sabe, de toda Itália. Tamanho era sua obsessão com isso que ela começou a emagrecer pois já não comia, e tinha olheiras profundas pois não dormia.
Um dia foi convidada por uma amiga para uma festa na casa de um jovem moço muito rico, resolveu ir, pensando que talvez isso alegra-se um pouco. Chegando na casa foi muito bem recebida, e com sua simpatia acabou conquistando a atenção do dono da casa. Para impressionar a recém conhecida ele a convidou para ir a sua biblioteca, esta aceitou prontamente o convite pois era apaixonada por livros. Ao chegarem na biblioteca Tana se encantou com seu tamanho e a variedade de livros que havia lá. Livros sobre história, matemática, romances, navegação, arte e, até mesmo, magia.
Enquanto a jovem se deliciava sobre os inúmeros tomos daquela esplendida biblioteca ocorreu um imprevisto na festa e o anfitrião teve que deixa-la sozinha por alguns instantes para resolver o problema, com a promessa de que não demoraria. Sem se importar com isso ela continuou olhando fascinada todas as estantes, talvez tenha sido o destino, talvez a vontade dos Deuses, ela acabou se deparando com um lindo volume de capa vermelho sangue com os escritos em dourado cujo o título era Encantamentos e magias para o amor e a beleza. Achando que enfim poderia ter uma chance de mudar sua sorte pegou o livro e começou a ler. Enquanto lia seu anfitrião chegou e a convidou para ir a sala para poderem conversar, sem querer ser indelicada e encantada pelo livro perguntou se ele não emprestaria o livro para que ela pudesse ler com calma, como o moço estava encantado por ela, ele aceitou sem nem mesmo olhar qual livro era.
Radiante, Tana deixou o livro em um lugar seguro e permaneceu a noite toda na sala se divertindo com os convidados e o dono da casa, chegada a hora de ir embora se despediu, pegou o livro e chegou a sua casa. Leu o livro freneticamente, página por página, complicadas palavras e diagramas que mostravam diversas mágicas e invocações. Acabou encontrando uma invocação, que, segundo estava escrito, era capaz de invocar a própria Vênus se feito corretamente, decidiu que iria realizar esse ritual e pedir ajuda a Deusa da beleza.
No dia e hora que era ordenado, Tana se encaminhou para o bosque que havia perto da vila e fez o ritual, durante horas e horas esperou mas nada aconteceu. Convencida de que havia feito algo errado resolveu voltar para casa e retornar outro dia, a hora que estava saindo do bosque se deparou com uma mulher lindíssima, sua beleza e vitalidade eram tão grandes que brilhava e emanava dela um calor imenso. Ela havia se encontrado com Vênus. Ao se dar conta disso se ajoelhou e desesperada pediu para que a Deusa desse a ela a tão almejada beleza, sensualidade e carisma. A Deusa se condoeu da jovem e disse que poderia a transformar completamente, e dar a ela exatamente o que queria, porém, na magia, como em tudo na vida, havia um preço para se pagar quando algo era pedido. A jovem, sem pensar duas vezes, disse que pagaria qualquer preço, fosse em ouro ou em sangue. O preço a se pagar era com o coração, ela teria toda beleza que havia almejado, porém nunca conseguiria conquistar a pessoa que ela amasse, não importaria o que fizesse jamais teria a pessoa que o coração dela escolheu para amar ao seu lado. Poderia escolher o pretendente que quisesse, teria milhares. Mas quem ela amasse fugiria dela, e, caso ficasse com ela,  a faria infeliz de tal maneira que seria impossível continuarem juntos. Tana aceitou o alto preço e a Deusa cumpriu sua palavra.
Durante anos Tana foi feliz pois enfim via seus desejos realizados, assim como a Deusa havia previsto tinha muito pretendentes em todo lugar que ia, conseguia a atenção de quem quisesse e emanava dela um calor imenso sempre que sorria. Brigas aconteciam pela atenção dela. Sempre tinha em sua casa flores e presentes de seus inúmeros admiradores. Se divertia nos melhores salões de festa e era considerada sempre a melhor companhia. Até que um dia se apaixonou pela primeira vez. O rapaz era bonito mas não chegava aos pés da metade dos seus pretendentes e ela não entendia o porque de tamanha paixão. Porém como uma doença que se espalha, a paixão se apoderou do seu corpo e de sua mente, e mais nada a fazia feliz, esqueceu completamente o que a Deusa havia dito. Como predito pela Deusa, o rapaz fugia de todas as investidas de Tana ,esta se humilhou e chorou para que ele ficasse com ela, por piedade o rapaz acabou aceitando. Porém não gostava dela e a fez infeliz. Com o coração partido, Tana decidiu terminar a relação. Mais duas vezes depois ela se apaixonou e mais duas vezes foi infeliz. Por fim se apaixonou pela terceira vez e um dia, enquanto chorava se lembrou da conversa que havia dito com a Deusa Vênus. Decidida a acabar com o sofrimento que estava tendo mais uma vez a invocou, a Deusa prontamente aceitou o chamado, mas o que estava feito já estava feito, e não era possível desfazer. Ela estava amaldiçoada.
Durante meses Tana sofreu trancada em sua casa, não recebia visitas, nem via seus parentes, seu sofrimento era tão grande e tão profundo que acabou chamando a atenção de Vênus, condoída e se sentindo culpada resolveu procurar uma solução para Tana. Percorreu terras distantes até encontrar enfim com as Parcas, mulheres responsáveis por fiar a vida e o destino de todos os seres, até mesmo, os Deuses. Lá, elas deram um fio dourado para a Deusa e pediram para que a Deusa entregasse a Tana, era o fio encantado de sua vida, e caso fosse cortado por um  homem que a amasse de verdade, quebraria a maldição mas caso fosse cortado por ela ou por alguém que ela amasse, ela morreria, porém, para a magia funcionar, Tana não poderia saber disso, devendo escolher quem cortaria o fio seguindo seus instintos. 
Vênus levou o fio para Tana e disse que ao corta-lo a maldição se quebraria, impedida de falar como poderia ser cortado, apenas aconselhou que Tana seguisse seu coração. Receosa de cometer um engano, Tana procurou por meses alguém que confiasse entre seus pretendentes para cortar o fio, porém sem sucesso. Por fim um dos seus pretendentes a pediu em casamento e, embora não o amasse Tana aceitou e pensou que finalmente tinha encontrado alguém que poderia quebrar sua maldição.
Com o casamento marcado Tana se apaixonou novamente por um jovem, sem saber que decisão tomar e desesperada, no dia de seu casamento pegou o fio e entregou ao jovem por quem estava apaixonada achando que estava tomando a decisão correta, quando ele cortou o fio, o corpo de Tana, tão belo, tão encantador, caiu sem vida, enfim livre da maldição. Ao ver o que havia feito o jovem fugiu. O noivo de Tana chorou por anos a morte daquela que ele amava, assim como vários outros pretendentes de Tana, seus amigos e familiares. Dizem que até a Deusa Vênus chorou.
Mas o que estava feito não havia como desfazer e a morte varreu a maldição de Tana, junto com sua vida.