Eu acho incrível o fato
de como algumas pessoas marcam sua vida as vezes com atitudes triviais,
banais.Com coisas até mesmo consideradas estúpidas ou monótonas, como por
exemplo dobrar lençóis, mostrar a língua, revirar os olhos, embaralhar as
cartas de um jogo de maneira diferente.
Eu tinha uma prima, que
amo muito, e toda vez que vou dobrar lençóis eu lembro dela. Coisa boba, uma
tarefa doméstica tão insignificante e chata, representa para mim uma lembrança,
e pior, tal memória me faz reviver toda a convivência que tive e não tive com
ela, em vários flashs estranhos e sem nexo, porém nem por isso menos saudosos.
O fato é o seguinte,
tenho poucas lembranças dela porém as que tenho são bem marcantes, infelizmente
para mim minha mãe era brigada com a família nessa época, então a convivência
era bem rara. Mas eu tive o prazer de conviver, mesmo que pouco, com essa pessoa
tão maravilhosa e, apesar dos poucos momentos juntas, os que existiram foram, digamos,
pontuais, na minha memória infantil.
Eis a história do lençol:
estava eu passando um período das minhas férias na casa de minha tia no
interior de São Paulo, tinha já certo fascínio pelos meus primos mais velhos e
lembro que seguia minha tia boa parte do dia (onde estava minha mãe? Não me
recordo), uma dia minha tia e minha prima pegaram as roupas do varal e foram
dobrar os lençóis. Achei incrível a praticidade e agilidade com que elas
dobravam esses lençóis, havia algo de lindo, mágico naquilo, não demoraram dez
minutos nessa tarefa . Mas a lembrança ficou. Modificada através dos anos em
minha cabeça, acrescentando ou subtraindo algo dela, ela ainda vive, e justo em
uma tarefa tão monótona me traz lembranças de uma pessoa que eu apenas posso
ver na minha memória modificada. A pessoa pode ter morrido, mas ela vive na
nossa memória, nas fotos, nas histórias, nas suas antigas apostilas da escola.
Coincidência ou não, ela
morreu perto do meu aniversário, causando uma ligação eterna entre nós de
maneira nefasta e, mais uma vez, pontual. Se a relação em vida não existiu, a
em morte existe de maneira impossível. Temos 365 dias do ano, 364 que ela podia
ter feito isso...Não é fácil esquecer. Como aquelas pessoas que morrem perto do
natal, e para aquela família o natal não tem mais graça. Nós não queremos
chorar ou lamentar, mas faz parte de nós. Acabamos por nos acostumar a ficar
tristes na mesma época todo ano.
Chega a ser estranho ter
apego por alguém com quem convive tão pouco, por anos após sua morte eu
continuei a achando maravilhosa, acabei romantizando não pelo que lembrava dela
e sim pelo que esquecia, pelo que não sabia, pelos sussurros e histórias que
minha família contava sobre ela. Sempre a amei e admirei, nunca poderia dizer. O
engraçado é que, talvez, se eu pudesse dizer, eu não a admiraria, talvez tivéssemos
brigado, talvez eu não pudesse falar que a admirava. Nunca disse a minha tia
que a acho maravilhosa e ela está lá, viva. Nós nunca dizemos, quase nunca
demonstramos. E erramos, erramos e erramos ao fazer isso.
Um lençol não é um lençol.
É a memória irrefreável da perda de alguém que amo, é a lembrança de uma beleza
que se esvaiu da terra, é uma parte da história da minha vida. É o que faz com
que pense que jamais esquecemos quem amamos.