quinta-feira, 30 de junho de 2016

Gabriela.


Eu acho incrível o fato de como algumas pessoas marcam sua vida as vezes com atitudes triviais, banais.Com coisas até mesmo consideradas estúpidas ou monótonas, como por exemplo dobrar lençóis, mostrar a língua, revirar os olhos, embaralhar as cartas de um jogo de maneira diferente.
Eu tinha uma prima, que amo muito, e toda vez que vou dobrar lençóis eu lembro dela. Coisa boba, uma tarefa doméstica tão insignificante e chata, representa para mim uma lembrança, e pior, tal memória me faz reviver toda a convivência que tive e não tive com ela, em vários flashs estranhos e sem nexo, porém nem por isso menos saudosos.
O fato é o seguinte, tenho poucas lembranças dela porém as que tenho são bem marcantes, infelizmente para mim minha mãe era brigada com a família nessa época, então a convivência era bem rara. Mas eu tive o prazer de conviver, mesmo que pouco, com essa pessoa tão maravilhosa e, apesar dos poucos momentos juntas, os que existiram foram, digamos, pontuais, na minha memória infantil.
Eis a história do lençol: estava eu passando um período das minhas férias na casa de minha tia no interior de São Paulo, tinha já certo fascínio pelos meus primos mais velhos e lembro que seguia minha tia boa parte do dia (onde estava minha mãe? Não me recordo), uma dia minha tia e minha prima pegaram as roupas do varal e foram dobrar os lençóis. Achei incrível a praticidade e agilidade com que elas dobravam esses lençóis, havia algo de lindo, mágico naquilo, não demoraram dez minutos nessa tarefa . Mas a lembrança ficou. Modificada através dos anos em minha cabeça, acrescentando ou subtraindo algo dela, ela ainda vive, e justo em uma tarefa tão monótona me traz lembranças de uma pessoa que eu apenas posso ver na minha memória modificada. A pessoa pode ter morrido, mas ela vive na nossa memória, nas fotos, nas histórias, nas suas antigas apostilas da escola.
Coincidência ou não, ela morreu perto do meu aniversário, causando uma ligação eterna entre nós de maneira nefasta e, mais uma vez, pontual. Se a relação em vida não existiu, a em morte existe de maneira impossível. Temos 365 dias do ano, 364 que ela podia ter feito isso...Não é fácil esquecer. Como aquelas pessoas que morrem perto do natal, e para aquela família o natal não tem mais graça. Nós não queremos chorar ou lamentar, mas faz parte de nós. Acabamos por nos acostumar a ficar tristes na mesma época todo ano.
Chega a ser estranho ter apego por alguém com quem convive tão pouco, por anos após sua morte eu continuei a achando maravilhosa, acabei romantizando não pelo que lembrava dela e sim pelo que esquecia, pelo que não sabia, pelos sussurros e histórias que minha família contava sobre ela. Sempre a amei e admirei, nunca poderia dizer. O engraçado é que, talvez, se eu pudesse dizer, eu não a admiraria, talvez tivéssemos brigado, talvez eu não pudesse falar que a admirava. Nunca disse a minha tia que a acho maravilhosa e ela está lá, viva. Nós nunca dizemos, quase nunca demonstramos. E erramos, erramos e erramos ao fazer isso.
Um lençol não é um lençol. É a memória irrefreável da perda de alguém que amo, é a lembrança de uma beleza que se esvaiu da terra, é uma parte da história da minha vida. É o que faz com que pense que jamais esquecemos quem amamos.




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