sábado, 25 de setembro de 2021

O apagamento da memória pelas construções ou como matar Clio.

 

Hoje, um dia normal, eu fui no supermercado fazer minhas compras diárias. Ele fica próximo a minha casa, o que facilita muito a minha vida, e também me obriga a passar na frente dele todos os dias que saio de casa. Enfim, enquanto eu estava fazendo compras eu comecei a observar o supermercado e a construção, esse é um hábito que eu tenho muito comum, eu amo olhar interiores de construções, fachadas de casa, e, principalmente, olhar a fachada das casas e tentar determinar a época de sua construção. Engraçado, eu não fiz arquitetura ou qualquer um desses cursos mais relacionados à construção, o que significa que muitas das vezes eu tenho que pesquisar para saber de que época que é a fachada daquela casa em específico, as vezes demora um tempo para descobrir. Como eu sou muito curiosa, eu fico tentando descobrir qual seria a casa mais antiga daquela rua, e, algumas vezes, já consegui descobrir quais que eram as construções mais antigas e as mais recentes. Já pesquisei sobre as casas que morei, o nome das ruas, e a idade daquela rua. Vamos chamar isso de hobbie.

Enfim, voltando ao início, eu estava no supermercado e enquanto eu me perdi olhando a construção, eu me lembrei de algo. Quando esse supermercado foi inaugurado eu já morava nessa mesma rua que moro atualmente, fiquei tentando lembrar o que que era aquele lugar antes de se tornar supermercado, e até agora eu não consegui me lembrar, era como se lá houvesse um espaço vazio até que o supermercado fosse construído e pudesse trazer um significado para a minha vida diária. O que existia antes do supermercado provavelmente não fazia parte da minha vida, como supermercado hoje em dia faz, mas, com certeza, fazia parte da vida de alguém.

Eu acho interessante refletir sobre como muitas às vezes nós conseguimos esquecer com facilidade coisas que eram construídas, coisas que ficavam anteriores a outras construções, como essas substituições de construção em construção passam muitas das vezes despercebidos por nós. Esse esquecimento arquitetônico, esse esquecimento urbano que nós passamos será resultado do que? Eu me pergunto: se nós conseguimos esquecer a construção anterior ao supermercado, que foi construído deve fazer uns 5 anos mais ou menos, como é triste o passado das construções dos casarões da Paulista ou dos edifícios mineiros que foram substituídos por outras construções, no meio dessa ordem urbana frenética.

Esquecidos, pois ninguém se lembra mais deles, os vivos não viam um significado naquelas construções que fizessem com que elas ficassem memorizadas, e talvez tivessem significado para os mortos, mas os mortos não têm memórias, não tem voz. A memória dos mortos só pode ser mantida pelos vivos, e estes, por sua vez, só mantêm o que lhes convém.

Penso, que esse esquecimento das construções, talvez representem a inevitável morte da memória, a vontade que nossa sociedade parece ter de matar as recordações de outros tempos e de outras vidas e de apagar as narrativas que não interessam ao desenvolvimento da malha urbana atual. Eu, que me recuso a esquecer as construções antigas, que me recuso a ver o tempo como uma linha reta tênue e prefiro ver com uma círculo alado, vejo que no fim, a sociedade também me esquecerá, pois não tenho maior importância na história do que os casarões e as casas sem ouro e sem barroco, e, principalmente, sem o poder da narrativa de quem venceu na história.

 

sábado, 28 de agosto de 2021

Atlas de todos nós

 

Adoro mitos gregos. Analogias também. Acho que os gregos expressavam muito bem a psique humana por meio de seus mitos e histórias.

Estava eu aqui pensando no mito de Atlas.

Atlas era um titã, e quando Zeus tomou o poder ele foi obrigado como penitência a carregar os céus nos ombros. Ele teve descanso uma vez dessa tarefa: quando Hércules carregou rapidamente o mundo em troca de um favor do titã. E, até onde vai a mitologia grega, ele nunca morreu, ou seja, o coitado ficou eternamente encarregado do mesmo serviço ingrato. Os outros titãs foram exilados, ele foi o único que não foi exilado, ele pagou sua penitência, literalmente, carregando o mundo nos ombros.

Mas será que não seria melhor ser exilado? Penso que entre todos os Titãs a penitência dele foi a pior, pois foi condenado a eternidade sozinho carregando o mundo nos ombros. Seria preferível ser fuzilado mil vezes pelos raios de Zeus. Ou ficar preso no limbo ou embaixo da terra. Nem Prometeu, que traiu Zeus dando o conhecimento do fogo para a humanidade, e diga-se de passagem, era bem atrevido com os Deuses, além de nada simpático, sofreu uma pena tão dura. Ele ficou amarrado enquanto um abutre comia o fígado dele todo dia, enquanto o fígado se regenerava, assim ele não morria. Mas ele ficou lá por alguns anos, pode ter sido cruel, mas foi menos tempo que a eternidade.

O pior do mito de Atlas é ver o quão real ele é. Não sei vocês, mas eu conheço vários Atlas. São pessoas que carregam o mundo nas costas, não pedem ajuda, pois nem sabem que podem pedir. Pessoas que irão eternamente carregar seus problemas e dos outros nos ombros e jamais conseguir largar, jamais ter paz.

Pessoas que pegam mais do que conseguem aguentar, mas aguentam, nada falam e nada reclamam. Em silêncio eles fazem tudo por todos e se esquecem que seus ombros, que já não aguentam mais esse peso, sangram. Sua coluna se encurva diante do peso que eles levam na vida, mas eles não entendem que tem o direito de jogar tudo ao chão e continuam. Seguram pesos mais difíceis que todos os pesos que nós poderíamos imaginar. E fazem tudo sozinhos. Até que não aguentam mais e definham, pois, ao contrário de Atlas que era um titã, nos humanos somos apenas humanos e mortais.

Ninguém precisa ser Atlas e carregar o mundo nos ombros sozinho, podemos dividir o peso pois ninguém aqui é Titã. Ninguém aqui tem penitência e sequer Zeus está aqui.    

quinta-feira, 11 de março de 2021

E por sonhar o impossível...

 Te amei como se fosse o primeiro, e então, esqueci completamente todos os vínculos passados, não existia mais ninguém além de ti no mundo todo, e ao te olhar meu sorriso brilhava mais. Não interessava quanto tempo estávamos juntos, ou quanto tempo ficaríamos, interessava apenas que estávamos juntos. Eu não contava meses, não havia horas, só havia você. Eu era uma adolescente amando pela primeira vez, meu primeiro namorado, meu primeiro e único amor.

Distante de você, os dias passavam se arrastando e eu conseguia ver seus defeitos, seus erros, que eram tantos. Mas do seu lado? Eu só via você, em sua magnitude e beleza (como pode alguém ser tão perfeito? Por favor me ame, pois se você não me amar eu acho que irei morrer.)

Eu me sentia caindo e me sentia sendo levantada, ao mesmo tempo, pelo mesmo sentimento, e, como é possível, alguém sentir duas coisas tão diversas, em um mesmo período de tempo? Talvez por isso, eu nunca tenha conseguido enxergar como você me amava. Todo amor era pouco, eu sentia uma explosão dentro de mim toda vez que te via. Eu te amava cada dia mais, mesmo achando impossível. A expansão desse amor, tal qual a expansão do Universo, criou buracos negros em mim. E eu chorava, eu lamentava, eu brigava, e você não entendia. Como iria entender, se eu não conseguia explicar?

Tiveram os erros, os receios, e o pior de tudo, era ter que voltar a terra, e sua horrível gestão racional toda vez que discutíamos. Eu queria ficar sobre as nuvens, eu queria só te amar, mas não era possível. Existiam as diferenças, as dores e os traumas, existia um abismo de distância entre nossas convicções. E eu me pergunto como tanto amor é possível se todo resto parecia ruir? Como é possível só o amor não ser suficiente?

Se te digo que não há mais ninguém no mundo para mim, digo a verdade, mas se disser que existem milhares de pessoas melhores para mim, também é verdade. Mas é impossível ter você longe da minha vida, não tenho o que fazer com todo esse amor que dediquei a ti e, sei, que o amor que você tem por mim é tão grande quanto. Nós nos amamos mais que Eco a Narciso, mais que Penélope amava Ulisses, muito mais que qualquer romance mitológico que já li, e é maior por ser um amor real. Com defeitos e falhas. O amor irracional e incondicional, dolorido e real.

Vejo, ao escrever isso, que por te amar como se fosse o primeiro, acabei te amando como se fosse o último. E talvez esse tenha sido o maior erro de todos.