Lembranças são coisas engraçadas. Essas memórias involuntárias que vem quando você menos espera e estacionam em sua mente. Sem pedir licença.
E, algumas vezes são lembranças gostosas, e, de tão boas que
são, ficamos querendo revive-las. Outras, são catastróficas, e nos fazem mal,
queremos esquece-las.
Minha vida, muito bem vivida, é repleta de memórias de ambos
os tipos. Minha adolescência é recheada de histórias, algumas tão estranhas que
parecem invenção da mente de uma pessoa louca. Outras nem tanto.
Mas, o engraçado, é que muitas das coisas que eu lembro, que
me marcaram por anos, e, na verdade, me marcam até hoje são memórias muito
simples, muito bobas e triviais. Coisas do dia-a-dia e que não tiveram
importância nenhuma na época, ou que não deveriam ter, mas tiveram para mim. Uma
frase de alguém no ponto de ônibus, eu escrevendo com giz na calçada de uma
amiga, eu e meus amigos sentados fazendo absolutamente nada no meio de janeiro
com sua onda insuportável de calor, o dia que bebi coca cola na pista de
skate...
Vamos a uma delas.
Parece que foi em outra vida, mas foi nessa vida mesmo há
dezesseis anos, eu estudava na cidade do lado da minha. Muitas vezes eu
precisava ficar na escola a tarde, pois tinha algumas aulas na parte da tarde e
acabava voltando no ônibus que saia do centro da cidade. Tinha um amigo, que eu
admirava e gostava, cegamente. Claro que na época eu não sabia que estava cega,
essas coisas só são percebidas muito tempo depois...
Eu também não sabia que ele queria algo mais que a minha
amizade. Hoje em dia, penso, que uma parte de mim desconfiava, mas simplesmente
não queria enxergar. Ou que realmente eu tinha uma pureza que hoje em dia não
existe mais e eu já nem me lembro como é.
Em um desses dias que eu precisava ficar nessa cidade a
tarde, eu e esse amigo combinamos de nos encontrar lá e voltarmos juntos para a
nossa cidade. Não lembro de nada que conversamos nesse dia, eu não lembro o que
fizemos, onde fomos, e nem ao menos lembro o motivo de termos combinado esse
encontro. Mas me lembro vividamente de uma coisa, que para qualquer observador
externo irá parecer a mais trivial de todas as lembranças que eu podia ter.
Quando entramos no ônibus para retornar à nossa cidade eu
disse a ele:
- Eu gosto de sentar na janela.
Ele disse:
-Eu também.
Foi um minuto de tensão, eu passava mal se não sentava na
janela, por outro lado, não estava acostumada a pedir o que queria para outras
pessoas. Mas ali eu senti que poderia pedir, ele era meu amigo.
-Deixa eu sentar na janela?
-Bom- ele respondeu- Pode sentar na janela mas só porque é
você. Eu não deixaria ninguém mais sentar na janela.
Eu fui na janela. Essa é a lembrança.
Hoje em dia quando eu lembro disso fico feliz e fico triste.
Gostaria de ser sua amiga ainda. Mas eu era toda errada, e ele era pior ainda.
Péssima junção. Eu queria reviver esse dia, mas também consigo entender porque
a namorada dele tinha ciúmes de mim: ele nunca a deixou sentar na janela. Mas
se namorasse com ele, acho que também não sentaria. Eu era sua amiga, era...
diferente.
Nunca houve romance, nunca promessas de amor ou desejos
carnais que precisavam ser realizados. Houveram algumas confusões de
adolescentes que não sabiam o que queriam. E houve a briga. E o fim.
Não importa nada disso hoje em dia, nem me lembro direito.
Me importa que um dia, você me deixou sentar na janela e naquele momento eu
estava feliz. Obrigada.