terça-feira, 30 de maio de 2023

Like a stone...

 Lembranças são coisas engraçadas. Essas memórias involuntárias que vem quando você menos espera e estacionam em sua mente. Sem pedir licença.

E, algumas vezes são lembranças gostosas, e, de tão boas que são, ficamos querendo revive-las. Outras, são catastróficas, e nos fazem mal, queremos esquece-las.

Minha vida, muito bem vivida, é repleta de memórias de ambos os tipos. Minha adolescência é recheada de histórias, algumas tão estranhas que parecem invenção da mente de uma pessoa louca. Outras nem tanto.

Mas, o engraçado, é que muitas das coisas que eu lembro, que me marcaram por anos, e, na verdade, me marcam até hoje são memórias muito simples, muito bobas e triviais. Coisas do dia-a-dia e que não tiveram importância nenhuma na época, ou que não deveriam ter, mas tiveram para mim. Uma frase de alguém no ponto de ônibus, eu escrevendo com giz na calçada de uma amiga, eu e meus amigos sentados fazendo absolutamente nada no meio de janeiro com sua onda insuportável de calor, o dia que bebi coca cola na pista de skate...

Vamos a uma delas.

Parece que foi em outra vida, mas foi nessa vida mesmo há dezesseis anos, eu estudava na cidade do lado da minha. Muitas vezes eu precisava ficar na escola a tarde, pois tinha algumas aulas na parte da tarde e acabava voltando no ônibus que saia do centro da cidade. Tinha um amigo, que eu admirava e gostava, cegamente. Claro que na época eu não sabia que estava cega, essas coisas só são percebidas muito tempo depois...

Eu também não sabia que ele queria algo mais que a minha amizade. Hoje em dia, penso, que uma parte de mim desconfiava, mas simplesmente não queria enxergar. Ou que realmente eu tinha uma pureza que hoje em dia não existe mais e eu já nem me lembro como é.  

Em um desses dias que eu precisava ficar nessa cidade a tarde, eu e esse amigo combinamos de nos encontrar lá e voltarmos juntos para a nossa cidade. Não lembro de nada que conversamos nesse dia, eu não lembro o que fizemos, onde fomos, e nem ao menos lembro o motivo de termos combinado esse encontro. Mas me lembro vividamente de uma coisa, que para qualquer observador externo irá parecer a mais trivial de todas as lembranças que eu podia ter.

Quando entramos no ônibus para retornar à nossa cidade eu disse a ele:

- Eu gosto de sentar na janela.

Ele disse:

-Eu também.

Foi um minuto de tensão, eu passava mal se não sentava na janela, por outro lado, não estava acostumada a pedir o que queria para outras pessoas. Mas ali eu senti que poderia pedir, ele era meu amigo.

-Deixa eu sentar na janela?

-Bom- ele respondeu- Pode sentar na janela mas só porque é você. Eu não deixaria ninguém mais sentar na janela.

Eu fui na janela. Essa é a lembrança.

Hoje em dia quando eu lembro disso fico feliz e fico triste. Gostaria de ser sua amiga ainda. Mas eu era toda errada, e ele era pior ainda. Péssima junção. Eu queria reviver esse dia, mas também consigo entender porque a namorada dele tinha ciúmes de mim: ele nunca a deixou sentar na janela. Mas se namorasse com ele, acho que também não sentaria. Eu era sua amiga, era... diferente.

Nunca houve romance, nunca promessas de amor ou desejos carnais que precisavam ser realizados. Houveram algumas confusões de adolescentes que não sabiam o que queriam. E houve a briga. E o fim.

Não importa nada disso hoje em dia, nem me lembro direito. Me importa que um dia, você me deixou sentar na janela e naquele momento eu estava feliz. Obrigada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário