terça-feira, 7 de novembro de 2023

Baby says (republicado)

 

Já é tarde e daqui duas horas o metrô irá fechar, tem um silêncio aqui, a essa hora, que me deixa tranquilo e leva meus pensamentos longe, então as minhas costas ouço aquele barulho de salto tão familiar vindo em minha direção, e basta isso para nós sabermos que aquela viagem será longa.

De relance olho e vejo o que posso dela, um pouco da silhueta, parece que está com o vestido vermelho sangue, e na hora que entramos no trem vislumbro rapidamente seus olhos. Ela se senta bem na minha frente, eu sei que está cansada pois tira sua peruca ruiva ali mesmo, e ela só faz isso quando realmente está cansada e desiludida. Hoje o show não foi bom.

Sinto uma irreversível saudade da época em que nos conhecemos e em que achávamos que todo mundo se curvaria a nosso poder e vontade. Resta-nos saber se nosso poder e vontade era pouco ou se o mundo é mesmo cruel. Nesse momento entro em um devaneio sobre nosso imenso passado, vejo que estou com os olhos pregados nela, e ela em mim, e ela coça o queixo, enquanto eu volto as minhas memórias. Como não lembrar de tudo, se fui eu quem lhe deu o apelido que ela carrega até hoje?

Quando travamos amizade, jovens e irresponsáveis, andávamos de bar em bar, bebendo e dizendo: “Baby diz que morreria para te conhecer se você pagasse uma bebida para nós.” Minha Baby era tímida, era boba, e chorava muito no começo, principalmente quando alguém a ofendia, mas era muito bonita. Percebi que quanto menos chorava, menos me olhava nos olhos e cada vez ficava mais distante.

Quando a casa caiu e seu pai descobriu o que fazíamos nas madrugadas de São Paulo,e o nome que ela gostava de ser chamada, se ouviram gritos dizendo “Oswaldo! Oswaldo! Seu nome é Oswaldo!” Eu estava lá, mas era possível ouvir a briga no quarteirão inteiro, além dos barulhos de tapa, e, eu, sem entender o porque daquilo tudo, apenas pensava em proteger aquilo que tanto amava: minha Baby. Porque o pai dela não podia virar as costas e ir embora? Nos deixar em paz? Nem pedia a aceitação, eu só não queria a violência.

Lembro também que Baby começou a ficar obscura, queria ver o mundo de uma forma que eu discordava, quis vender o que para mim não devia ser vendido e me culpar pelo destino que tomava. Quando são distribuídas culpas, as brigas são sempre inevitáveis. A minha Baby se foi. E nós nunca teremos Paris, pois nunca fomos até lá. E também nunca voltaremos a conversar, pois não podemos ser humildes ou iguais na dor, prometemos isso a nós mesmos. Eu não entendo a dor dela, eu só consigo imaginar, talvez, se eu estivesse no lugar dela, teria feito igual, ou pior.

Quando retorno dos meus devaneios, Baby já tirou os brincos e noto que está muito branca, e, me parece esquisita sem seus cabelos e brincos. Chegando em casa, irá tirar os cílios e maquiagem, vestido e enchimentos, por último as meias e o salto, mas eu sei que nem nua ela virá outra coisa sem ser Baby. Irá virar uma dose de cachaça para ajudar a dormir, e esquecer o que tiver que esquecer daquele dia.

Tenho que andar mais meia hora olhando de viés para ela, pois, embora ambos saibamos de nossa presença nenhum a quer anunciar, e o silêncio que encaramos por toda nossa vida, acerca dos assuntos que a permearam, permanece.

Me pergunto se Baby ainda diz que está louca para conhecer alguém, como naqueles velhos tempos ou se tem vontade fazer o sangue de alguém subir. Ou se já encontrou alguém com pele tão branca e olhos tão negros como os dela e que os ame, como eu amei.

Mas quando, enfim, olhos em seus olhos para perguntar, aquela voz, que nunca irá existir em outro lugar sem ser no metro, anuncia a parada dela, ela sai, e a única coisa que Baby diz é adeus ao passar por mim.

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