terça-feira, 7 de novembro de 2023

Teus olhos e meu coração.

 

Ela tinha olhos cor de mel, impossível de esquecer. A primeira vez que a vi, foi na praia. Ela estava parada, olhando para o mar, seu vestido era azul celeste e feito de um tecido muito leve, quase transparente. Era um final de tarde e ventava bastante naquele dia. Eu gostava de sentar na areia e ficar desenhando, e foi nesse dia que a notei perto de mim. Ela também me viu. Em um momento, virou-se para trás e me olhou com aqueles olhos cor de mel brilhantes e sorriu. Pensei que ela iria me cumprimentar, mas simplesmente foi embora, caminhando pela praia.

Dias depois, descobri que ela morava no mesmo prédio em que eu estava hospedado, na verdade, era minha vizinha. Tantas coincidências estavam acontecendo, e sempre acreditei que nada era por acaso. Era um sinal de que algo iria acontecer entre nós, pelo menos eu tinha certeza disso, mas estava errado, pelo menos em parte.

Na quarta vez que a vi parada, ela estava na parte de baixo do prédio, fumando. Já a tinha visto entrando no apartamento com sacolas de supermercado, na praia novamente parada e saindo do prédio. A última vez foi enquanto eu estava na sacada do meu apartamento. Nenhuma dessas vezes consegui me aproximar dela, pois tudo acontecia muito rapidamente. Ela parecia ser uma daquelas pessoas ocupadas que tinham dois empregos e cuidavam de casa, parecia ser independente e resolvida. No entanto, em outras ocasiões, especialmente quando a via na praia, parecia à beira das lágrimas e triste. Era uma tristeza profunda, não temporária, mas aquela que vinha de dentro de seus olhos. Era a tristeza das pessoas que foram decepcionadas pela vida muitas vezes, dos depressivos, das pessoas que nunca foram amadas, das mães que perderam seus filhos. Era uma tristeza palpável, profunda o suficiente para tocar.

Eu me interessei por ela por causa de todas essas questões, porque ela parecia indecifrável e, ao mesmo tempo, fácil de entender. Então, decidi falar com ela. Conversamos, ela era simpática e tinha um sorriso lindo. Eu contei que estava passando alguns meses no apartamento que, na verdade, pertencia ao meu irmão, e ela me disse que estava morando no prédio há apenas alguns meses. Tinha se mudado recentemente com o marido. Foi um choque, pois nunca a tinha visto com ninguém, nem ouvido vozes em seu apartamento. Ela não parecia casada. Ela percebeu minha surpresa e explicou:

-Ele trabalha muito, então nos vemos pouco.

 Ela gostava dessa independência e não era do tipo grudento ou romântico. Estavam juntos há quatorze anos, mas não tinham filhos, pois ela não quis. No final da conversa, ela disse que precisava subir para organizar algumas coisas antes de ir para a academia e se foi. Eu a olhei nos olhos durante toda a conversa, pelo menos tentei, porque em alguns momentos meus olhos se desviavam enquanto ela falava.

Eu fazia questão de conversar com ela sempre que nos encontrávamos, e com o tempo, ela também parecia gostar da minha companhia. Comecei a ir até o apartamento dela à tarde para tomar café e ouvir música. Às vezes, íamos juntos à praia, e eu desenhava enquanto ela observava as ondas, perdida em seus pensamentos. Era uma amizade, embora eu quisesse mais, sabia que estava errado. Em três meses, vi o marido dela apenas uma vez. Em um dia em que estava na frente do apartamento dela, ele chegou e nos cumprimentou, explicando que eu era o novo vizinho, e então entrou. Eu vi a tristeza em seus olhos naquele momento, foi rápido, mas intenso. Eu teria abraçado, beijado e feito promessas de amor ali mesmo, mas não era possível. Aflorou em mim um desejo ardente, principalmente agora que sabia da infelicidade dela em um casamento que aparentemente estava gasto e carente de amor. Parecia que não era errado desejar, beijar. O marido dela não era mais do que um acessório em sua casa, como uma mesa ou um vaso. Algo sem importância para mim e, talvez, para ela.

Eu comecei a deixar transparecer meu desejo, e ela permitia, até certo ponto. Eu tinha que ser sutil. Infelizmente, meu tempo ali estava chegando ao fim, e pensei em tentar estender meu contrato de trabalho, mas isso prejudicaria meus futuros empregos na cidade onde eu oficialmente morava. Chegou o dia em que eu precisava contar a ela sobre minha partida. Iria embora em uma semana e precisava avisar. Estávamos tomando café na casa dela, e o marido estava no escritório trabalhando em um projeto. Eu disse que iria embora, mas antes, queria dizer algumas coisas. Ela pegou minha mão e colocou-a sobre seu peito, pedindo para que eu não dissesse nada, fazendo um sinal de silêncio com a mão sobre os lábios. Ela me disse:

-Meu coração bate forte perto de você.

            Ficamos em silêncio, nos olhando, e lágrimas escorreram de seus olhos. Ela se levantou em silêncio, enxugou as lágrimas e me abraçou. Foi tudo o que tive, um abraço forte. Ela me pediu para me despedir antes de viajar.

Ainda a encontrei mais uma vez, e fomos à praia. No dia em que parti, bati na porta de seu apartamento, mas ninguém atendeu. Pelo horário, ela poderia realmente não estar em casa, mas também poderia estar lá e não querer me ver. Ela já tinha dito meses atrás que não era boa com despedidas. Conversamos algumas vezes por mensagem, mas ela era péssima em responder.

Ao chegar à minha cidade, pintei um quadro com os olhos dela, o quadro mais caro que já fiz. Não quero vendê-lo, é tudo o que tenho. Embora não sejam os olhos reais dela, são apenas minha impressão, o que eu vi, o que eu lembro. Imagino se ela ainda está casada e vai à praia para olhar as ondas, perdida em seus pensamentos. Se em sua imaginação, ela tem alguém ao seu lado que existe de verdade, não apenas um fantasma, uma sombra. Começo a pensar em seus olhos e como, apesar de serem lindos, eles eram cegos. Fico triste por mim, por ela, pelos olhos e por tudo o que nunca aconteceu, exceto em minha imaginação.

 

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